domingo, 1 de janeiro de 2012

O chefe de cozinha e o dramaturgo – Por Fabrício Porto

Parece besteira, mas faça um comparativo entre um chefe de cozinha e um roteirista. O primeiro apresenta ao cliente os pratos que fazem parte do cardápio e sugere algumas combinações gastronômicas. O roteirista oferece ao expectador um cardápio pronto. O roteirista começa escolhendo o vinho, a entrada, o prato principal e a sobremesa. Como vai ser servido esse vinho ou os pratos decorrentes, fica por conta dos atores e da direção.


Costumo dizer que em algumas situações o roteirista não proporciona a degustação de cada elemento do banquete. Em alguns filmes e peças teatrais, o prato principal vem antes do vinho ou depois da sobremesa e o espectador tem que engolir o que o chefe está propondo sem poder reclamar. Em outras situações, os pratos não são permitidos serem saboreados até o fim e são retirados da mesa antes mesmo da saciedade do cliente.


Não quero aqui fazer uma crítica aos experimentalistas que ousam mudar a ordem dos pratos ou daqueles que tentam interromper a degustação de um prato principal, ou misturar sabores cítricos com salgados, ou carregar na pimenta, no açúcar ou no sal numa peça ou num filme. Simplesmente acredito que o chefe de cozinha, assim como o dramaturgo deve se preocupar com a saciedade, e a digestão do espectador.


O espectador tem que ser levado pela mão, afinal ele espera passivamente ser levado para algum lugar. Esse lugar pode ser cômodo, inquieto, perturbador ou provocador. Levar o espectador ao ambiente em que ele se sinta instigado é fundamental numa trama. Esse é o meu papel como roteirista. Surpreender com um prato diferente, inovador e tentar descobrir em outros pratos o que o chefe utilizou como tempero, buscar referências em outros pratos e tentar lembrar o que o diferencia daquele que estou provando. Em 2012 todos tenhamos um bom apetite!

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